07/12/2022

Restaurante Amana, um tesouro escondido em Niterói

“Boa noite, Anna, muito prazer! Sou o Leo, chef / proprietário do Restaurante Amana. Qualquer coisa, fique à vontade de me contatar. Vou lhe encaminhar a direção do GPS, mas se colocar o destino Restaurante Amana Itaipu não terá problemas. Até amanhã!”.

A mensagem personalizada do chef Leo Guida chegou ao meu WhatsApp em uma noite de sábado, véspera da minha visita ao Restaurante Amana, me pegou de surpresa (chef mandar mensagem para o cliente não é mesmo comum) e já era um bonito presságio do que estava por vir: uma experiência cuidadosa, atenta aos detalhes, intimista, particular e surpreendente, que já tinha começado ali. O prefácio estava escrito antes mesmo de eu chegar à mesa.

O endereço é discreto em uma casa de muro baixo e portão fechado, sem placa na porta, em um bairro de Niterói afastado de qualquer burburinho gourmet.

 

A entrada de uma casa com portão preto e muro baixo

 

A casa em questão foi o lar onde Leo nasceu e cresceu, e tem quintal, horta e piscina, atrás da qual, em um espaço diminuto e aconchegante, encontra-se o restaurante.

A experiência por lá tem quês de exclusividade, com apenas Leo na cozinha, dois atendentes, Paulo e André, e, no máximo, 12 clientes, divididos em até cinco lindíssimas mesas de madeira imbuia. O atendimento é mediante reserva no site.

Com a cozinha aparente e equipada com uma churrasqueira, trata-se de um restaurante que estabelece um diálogo entre alta gastronomia e simplicidade, proporcionando um convívio mais íntimo entre o público e o chef (versus o clima muitas vezes impessoal e pouco acolhedor dos restaurantes maiores).

No início do atendimento, Paulo indicou meu lugar, já montado com simplicidade e bom gosto, em uma composição de menu de papel e guardanapo de pano sob uma pedra São Tomé, um copo de água em um descanso de madeira, dois talheres de fina espessura repousando em um descanso de madeira e uma garrafa de vidro abastecida com água no canto da mesa.

 

 

Paulo logo explicou que a água no Amana não era comercializada. Desta forma, eu deveria ficar à vontade para me servir dela e pedir mais, caso acabasse. Uma postura que considerei justa e de acordo com o padrão. Na França, por exemplo, é prática comum encontrar garrafas de água já na mesa ou na entrada do restaurante, para o cliente levá-la para o seu lugar. Isso deveria deixar de ser mal visto aqui no Brasil.

 

Menu

 

Os pratos do menu degustação tem cada nuance apresentada por Paulo, André ou Leo, que vai com frequência às mesas. A lista é elaborada de acordo com a disponibilidade e sazonalidade dos ingredientes, com harmonização alcoólica ou não alcoólica.

Eu escolhi a harmonização alcoólica.

Iniciou-se, então, um alto serviço alcançado por comidas primorosas combinadas a uma seleção única de drinks autorais com destilados feitos na casa que levam frutas do quintal (bitter, licores, vermutes e sidras), gin da marca japonesa Roku Gin (“É sensacional para os coquetéis que uso”, contou Leo) e espumantes e vinhos escolhidos por Federico Galvani, um grande amigo italiano de Leo que é sommelier, além de descobridor de pequenas vinícolas brasileiras. Fora outras vinícolas, como a Casa Viccas, que o chef admira e faz questão de ter sempre na carta.

O menu começou com os snacks: peixinho da horta e kefir deitados na vinagreira, e vieira com maracujá e alho poró, ambas as entradas belamente harmonizadas com espumante natural de pequena produção Cosa Sara, da Famiglia Baroto, de Garibaldi (RS).

 

Garrafa transparente de espumante escrita à mão

 

O tomate e o mirtilo fermentado, assentados sob a tumbegia colhida no quintal (uma flor que tem gosto de cogumelo) e perfeitamente aberta com as suas pétalas lilases na tigela de cerâmica com pintinhas também foram servidos com o espumante Cosa Sara.

 

 

Na sequência, veio a trilha defumada com nduja e brioche de fermentação natural feito no forno à lenha, os três ingredientes empilhados com a mesma largura de corte, o pão fazendo uma cama fofa para o conjunto, mordida super macia. Snack para ser saboreado com as mãos, avisa Léo, ele foi combinado com um drink autoral à base de vermute de damasco da casa, gin macerado com flor de jasmin do jardim, limão espremido e bitter de tangerina negra na delicada taça alta.

 

 

A ostra com manteiga tangerina negra (seca no sol do telhado do restaurante, vale comentar o detalhe) e suco de maçã com cana de brejo chega em seguida em uma luxuosa apresentação composta por conchas iguais, empilhadas, em uma tigela baixa de cerâmica. Todas vêm fechadas e, como em uma caixinha de joias, abre-se a tampa da concha do alto e descobre-se a iguaria. Aqui, a harmonização ainda é feita com o coquetel de vermute de damasco da casa.

 

 

 

A próxima etapa veio em uma montagem apurada de saleiro de pedra sabão que, aberto, revela uma casca de ovo de cerâmica com ovas de peixe voador, ovo de galinha orgânico, caldo salgado com peixe seco defumado e brócolis crocante, harmonizado com a bebida de vermute de damasco da casa, gin macerado com flor de jasmin do jardim, limão espremido e bitter de tangerina negra derramados na taça alta de haste fina.

 

 

Lambretas de Cananeia, no litoral de São Paulo, com uma emulsão de mariscos e azeite de folhas de figueira, aninhadas em uma imperfeita tigela de cerâmica, deleitam e surpreendem, assim como o siri com bottarga (também conhecida como caviar brasileiro) e azeitona negra que foram degustados logo depois com um generoso pedaço de pão.  A harmonização para ambos foi elaborada com o Torrontes da vinícola Valparaiso, de Vila Rica, no Rio Grande do Sul.

 

 

Vem, então, à mesa, camarão com porções à parte de sal de hibisco e pesto de arruda, que combinaram perfeitamente com o fruto do mar. A bebida ficou por conta de coquetel autoral à base de tomate e acerola grelhados com cynar (amaro de alcachofra) e uísque bourbon.

 

 

Lula levemente grelhada e selada na brasa chega sustentada por molho de pimentão e piquillo com alho, uma pimenta vermelha doce e acompanhada por coquetel de tomate e acerola grelhados com cynar (amaro de alcachofra) e uísque bourbon.

 

Prato de cerâmica com lula em mesa de madeira

 

O décimo e último passo do menu traz porco da raça Moura, surgida na região Sul do Brasil, shitake, pastinaca e uma taça de Sincronia, merlot da Vinícola Franco Italiano, de Colombo, no Paraná.

 

 

Escolhi experimentar a pré-sobremesa, uma caprichada seleção de queijos nacionais, como o da Calcanhar do Lobo e Serjão, da Serra da Canastra, e Maria Fumaça, da Fazenda Bonsucesso, em Piraí, acompanhados de mel fermentado feito na casa. Pedi uma bebida para escoltá-los e Paulo preparou uma sidra feita em casa, com água tônica igualmente da casa.

 

 

A mesma dedicação às comidas é dispensada às sobremesas. O passeio pelas doçuras foi principiado por um surpreendente sorvete de miso, café e sabugeiro, e taça de moscato Colheita de Inverno, da Casa Geraldo.

 

Garrafa de vinho moscato Colheita de Inverno

 

Finalizando a ala das sobremesas, iogurte, mel fermentado e cana do brejo esbanjam sabor em um afinado doce harmonizado com o moscato.

 

 

E, para fechar toda a experiência, café com notas de chocolate e caramelo, da variedade acaiá, da Fazenda Lagoinha, acompanhados de rapadura de caju e um “sanduíche” de parfait de kefir com hortelã pimenta da horta do Amana. Divino!

 

 

As composições e as louças do Amana

Agora eu quero todo mundo em silêncio (e, de preferência, de joelhos) para contemplar as louças do Amana.

Até aqui, acho que ficou claro que tudo no Amana mira no cuidado com os detalhes. Mas outro pilar importante do restaurante é a estima do verdadeiro valor do feito à mão. O trabalho artesanal vai dos pratos e bebidas à escolha de todos os objetos da casa.

O chef Leo Guida prioriza itens de pequenos artesãos para compor os elementos das mesas e as louças, quando não se arrisca a produzir algumas peças.

É o caso do sousplat de pedra São Tomé. Aproveitando sobras do pedregulho utilizado em uma obra na casa, Leo confeccionou a peça utilizada na apresentação dos snacks. Ainda com pedaços restantes das pedras, elaborou o item da composição do café com a rapadura e o sanduíche de parfait de kefir. O descanso de talheres de madeira também é obra do chef.

 

 

Determinadas cerâmicas vêm de Silva Jardim, no interior do Estado do Rio de Janeiro, feitas pelo artista Igor Lins, que usa a própria argila do terreno da casa dele e assa as louças em forno à lenha durante 24h, alimentando com lenha manualmente. A casca de ovo que aninhou as ovas de peixe voador, que citei acima, foram produzidas por Igor especialmente para este prato do Amana.

A tigela de cerâmica que recebeu as lambretas também foi fabricada por Igor e, aqui, ganha atenção a imperfeição em sua parte superior, que acontece em artefatos feitos individualmente, à mercê da humanidade do trabalho manual que o produz.

 

 

(Conheça também o Restaurante Trilhas do Araçari, em Nova Friburgo, em meio à natureza. Clique aqui)


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